quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Variações linguísticas

O modo de falar do brasileiro
Toda língua possui variações linguísticas. Elas podem ser entendidas por meio de sua história no tempo (variação diacrônica) e no espaço (variação diatópica). As variações linguísticas podem ser compreendidas a partir de três diferentes fenômenos.
1) Em sociedades complexas convivem variedades linguísticas diferentes, usadas por diferentes grupos sociais, com diferentes acessos à educação formal; note que as diferenças tendem a ser maiores na língua falada que na língua escrita;
2) Pessoas de mesmo grupo social expressam-se com falas diferentes de acordo com as diferentes situações de uso, sejam situações formais, informais ou de outro tipo;
3) Há falares específicos para grupos específicos, como profissionais de uma mesma área (médicos, policiais, profissionais de informática, metalúrgicos, alfaiates, por exemplo), jovens, grupos marginalizados e outros. São as gírias e jargões.
Variações regionais: os sotaques
Se você fizer um levantamento dos nomes que as pessoas usam para a palavra "diabo", talvez se surpreenda. Muita gente não gosta de falar tal palavra, pois acreditam que há o perigo de evocá-lo, isto é, de que o demônio apareça. Alguns desses nomes aparecem em o "Grande Sertão: Veredas", Guimarães Rosa, que traz uma linguagem muito característica do sertão centro-oeste do Brasil:

Demo, Demônio, Que-Diga, Capiroto, Satanazim, Diabo, Cujo, Tinhoso, Maligno, Tal, Arrenegado, Cão, Cramunhão, O Indivíduo, O Galhardo, O pé-de-pato, O Sujo, O Homem, O Tisnado, O Coxo, O Temba, O Azarape, O Coisa-ruim, O Mafarro, O Pé-preto, O Canho, O Duba-dubá, O Rapaz, O Tristonho, O Não-sei-que-diga, O Que-nunca-se-ri, O sem gracejos, Pai do Mal, Terdeiro, Quem que não existe, O Solto-Ele, O Ele, Carfano, Rabudo.

Drummond de Andrade, grande escritor brasileiro, que elabora seu texto a partir de uma variação linguística relacionada ao vocabulário usado em uma determinada época no Brasil.

Antigamente
"Antigamente, as moças chamavam-se mademoiselles e eram todas mimosas e muito prendadas. Não faziam anos: completavam primaveras, em geral dezoito. Os janotas, mesmo sendo rapagões, faziam-lhes pé-de-alferes, arrastando a asa, mas ficavam longos meses debaixo do balaio."

Como escreveríamos o texto acima em um português de hoje, do século 21? Toda língua muda com o tempo. Basta lembrarmos que do latim, já transformado, veio o português, que, por sua vez, hoje é muito diferente daquele que era usado na época medieval.
 
Língua e status
Nem todas as variações linguísticas têm o mesmo prestígio social no Brasil. Basta lembrar de algumas variações usadas por pessoas de determinadas classes sociais ou regiões, para perceber que há preconceito em relação a elas.

Veja este texto de Patativa do Assaré, um grande poeta popular nordestino, que fala do assunto:

O Poeta da Roça
Sou fio das mata, canto da mão grossa,
Trabáio na roça, de inverno e de estio.
A minha chupana é tapada de barro,
Só fumo cigarro de paia de mío.

Sou poeta das brenha, não faço o papé
De argun menestré, ou errante cantô
Que veve vagando, com sua viola,
Cantando, pachola, à percura de amô.
Não tenho sabença, pois nunca estudei,
Apenas eu sei o meu nome assiná.
Meu pai, coitadinho! Vivia sem cobre,
E o fio do pobre não pode estudá.

Meu verso rastero, singelo e sem graça,
Não entra na praça, no rico salão,
Meu verso só entra no campo e na roça
Nas pobre paioça, da serra ao sertão.
(...)

Você acredita que a forma de falar e de escrever comprometeu a emoção transmitida por essa poesia? Patativa do Assaré era analfabeto (sua filha é quem escrevia o que ele ditava), mas sua obra atravessou o oceano e se tornou conhecida mesmo na Europa.

Leia agora, um poema de um intelectual e poeta brasileiro, Oswald de Andrade, que, já em 1922, enfatizou a busca por uma "língua brasileira".

Vício na fala
Para dizerem milho dizem mio
Para melhor dizem mió
Para pior pió
Para telha dizem teia
Para telhado dizem teiado
E vão fazendo telhados.

Uma certa tradição cultural nega a existência de determinadas variedades linguísticas dentro do país, o que acaba por rejeitar algumas manifestações linguísticas por considerá-las deficiências do usuário. Nesse sentido, vários mitos são construídos, a partir do preconceito linguístico.
*Alfredina Nery Professora universitária, consultora pedagógica e docente de cursos de formação continuada para professores na área de língua/linguagem/leitura.

Víctor Gonzales – victorgonzales@terra.com.br
















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